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Às margens do Rio São Francisco

Cheguei à Januária de ônibus. A viagem era parte de um projeto mais longo que eu vinha fotografando – uma das vítimas da explosão do Osasco Plaza Shopping havia se mudado para lá e eu achava que umas fotos de como a vida continuava longe de Osasco poderiam valer a pena.

Caminhei da rodoviária para o centrinho da cidade, já perto da margem do rio, achei um hotel bem simples. A diária era R$6 ou R$7 enquanto a coxinha na parada do ônibus era R$3. Tomei um banho, lavei a roupa da viagem, pendurei perto da janela, tirei um cochilo naquela tarde, acordei a roupa estava seca, não era época de chuva.

Sai e tomei uns sorvetes. Fui atrás do José. O Sol queimando. Setembro de 1999.

Descobri uma cidade interessante, conheci umas pessoas inesperadas, ouvi histórias, tomei mais sorvete. Sempre levava duas Nikons. Com uma fotografei a história que eu estava procurando. Com a segunda, fotografei as coisas que eu descobri em filme slide expirado. Anos mais tarde transformei tudo em preto e branco para me ver livre do crossover.

Na ida e na volta fiquei encantado com os buritizais no meio do cerrado.

Lembrança • Interferências

 

Eu tenho um amigo chamado Antonio Seara. Ele é um espanhol, muito boa gente, que já viveu 5 anos no Piauí, deu umas voltas por ai, e veio parar aqui em London, no frio Canadá.
Acho que nem ele sabe ao certo há quanto tempo a gráfica está presente na sua vida, mas hoje ele tem um negócio pequeno mas respeitável aqui na cidade, e edita o jornal Portugal Notícias para o qual eu também escrevo, é por isso que a gente se conhece.

A Prom-Art, empresa do Antonio, existe já há um bom tempo e já passou por boa parte da evolução do processo de impressão em off-set. Hoje em dia eles não fazem mais os filmes, ou fotolitos, a chapa sai direto de uma máquina que lê a imagem de uma arte final em papel. A chapa tem suporte de resina e não dura tanto quanto a de alumínio, mas para maioria dos serviços do Antonio não são necessárias tantas cópias assim.

E é por causa dessa história toda que o Antonio tem, ou melhor, tinha uma pilha de caixa de filmes positivos e negativos e papéis positivos numa prateleira na salinha da câmara de processo dele. Bom, eu ganhei esses maravilhosos presentes ainda sem saber o que fazer com eles… Afinal esses filmes têm pouca sensibilidade, estão todos vencidos desde 91 ou 92, são ortocromáticos, têm tamanhos pouco comuns (21x28cm, 25x30cm, 30x45cm) e não dá muito para saber se tal filme gera positivo ou negativo – se vocês lembram da vez em que eu usei o Kodak LPD4 Line film vocês agora sabem do que eu estou falando.

Mas como qualquer outro filme esquisito ou vencido que vem parar na minha mão, esses não foram exceção, comecei alguns testes para descobrir o que é o quê.

Eu tenho também uma amiga chamada Fátima Roque. Ela é uma brasileira, muito boa gente também, que já fez de tudo um pouco, como o Antonio. Ela é fotógrafa, até o último fio de cabelo, e vive me falando que está na hora de pegar uns negativos, fazer umas interferências, descobrir o que pode acontecer, essas coisas. Perder um pouco mais do medo de por tudo a perder.

E aqui a regra é misturar, para depois separar: fui buscar a caixa onde estavam os negativos (35mm) do meu trabalho sobre a recuperação de algumas pessoas que sobreviveram àquela explosão no Osaco Plaza Shopping. Preparei química normal para ampliação (revelador de papel em diluição 1:1, stop e fix). Posicionei um negativo no ampliador, e saquei a primeira caixa da pilha das caixas trazidas do Antonio (as caixas estavam empilhadas de acordo com seu tamanho, a maior embaixo de todas). Um filme tamanho 8,5×11 polegadas (21x28cm aprox.), acertei o marginador, acertei a altura da cabeça do ampliador, foco, 7 segundos, abertura f/8 talvez, luz de segurança, encontrei uma folha – usei o velho e bom método da saliva para descobrir o lado da emulsão, que ficou para cima – e mandei ver no botão do timer.

A imagem apareceu como se fosse a de uma cópia em papel fotográfico. O filme era negativo. Repeti isso com outros 6 negativos, noite a dentro. Lavei tanto as folhas que ficaram legais quanto as que não deram tão certo. Deixei tudo secando enquanto fui descansar.

No dia seguinte eu me perguntava o que fazer com aquelas várias imagens positivas penduradas no laboratório. Se eu tentasse uma prova de contato numa folha de papel a imagem sairia negativa. Pensei em repetir o processo, fazendo contato num outro pedaço de filme idêntico e dai sim obtendo um negativo, para depois contatar em papel fotográfico. Desci ao laboratório, preparei tudo como no dia anterior e comecei a fazer os contatos.
O que acontece é que o filme é bem contrastado, e esses negativos que eu estava criando já não tinham mais nenhum meio tom. Decidi parar um pouco.
Apaguei as luzes e fui investigar o que havia dentro de cada caixa, cada envelope vindo do Antonio: achei um tanto de papel num dos sacos pretos sem caixa. Tirei uma folha, sob a luz de segurança, pus sob um dos positivos criados no dia anterior, expus por uns 10 segundos no ampliador, meti na química. Papel positivo!!!

Contei o número de folhas: 15. Fechei o envelope, acendi a luz. Parei tudo, para repensar. Era pouco papel para fazer besteira. Sentei na mesa de luz com meus 7 negativos “tamanho carta”. Na cabeça lembranças da Fátima, do que ela me escrevia, das aulas que a gente tinha tido com a Ângela Di Sessa… fui buscar estilete, caneta, álcool, tesoura, fita adesiva e todos os positivos e negativos que tinham ficado ruins também.

O que seguiu foi uma sessão de tesourada e estiletada, risco, arranhões, rabiscos e sabe-se lá o que mais. Juntei tudo com fita adesiva.
Voltei para o laboratório, mas dessa vez misturei um pouco do revelador que eu havia trazido lá do Antonio, era um revelador para alto contraste. Fazer contato num papel positivo é engraçado, você tem que lembrar que a exposição afeta a densidade inversamente, e não diretamente como estamos acostumados. E que qualquer parte do papel que ficar sob as abas do marginador ficará preta. Bom, as exposições ficaram em torno dos 8 segundos em abertura f/8. Revelei os papéis por um minuto e meio num revelador que deve ser próximo ao D-8. E você pode ver o que que aconteceu. Eu ainda vou repetir tudo isso algumas vezes, depois que eu conseguir mais desse papel, para aprimorar o processo, e estudar outros tipos de interferência nessas imagens. Para que elas sejam menos teste e mais acerto.

Mas o importante é lembrar que esse material todo morava numa prateleira sob um tanto de poeira. Certo?