Esse texto originalmente publicado em: https://efecetera.com/tutorial/impressao_inkjet_com_tintas_reaproveitadas/ , mas não se encontra mais disponível lá.
Desde minhas experiências com as tintas a base de carbono que eu imagino que seria possível fazer algo parecido com tintas coloridas também. As tintas a base de carbono, como expliquei naquela série de artigos, tem a grande vantagem de ajudarem a desentupir canais já aparentemente comprometidos e de não necessitar de todos os canais/cores, ou seja, podem ser usadas com impressoras que de fato tem canais por onde não passa mais tinta.
Minha curiosidade dependia então da impressora certa aparecer, nas condições ideais. Em 2020 ganhei uma impressora. É uma Epson R3000 que seria descartada e que tinha alguns cartuchos ainda com tinta e alguns vazios. Ao tentar ligar a impressora, ela imediatamente reclamava do cartucho PK vazio e parava ali.
Me pus a pensar em como comprovar se ela ainda estaria apta a funcionar, sem incorrer em gastos. Meu orçamento era bem pequeno, teria que completar com a minha paciência.
Comparei preços dos cartuchos que faltavam com kits de cartuchos recarregáveis vindos da China, considerei as etapas seguintes. Acabei decidindo pedir um kit CISS vindo da China. Esse kit permite ter um tanque externo que o usuário pode completar facilmente com a tinta escolhida.
Primeiros testes
O kit chegou alguns meses depois, tempo que usei para fazer algumas limpezas com líquido de limpar vidros e papel toalha, um clássico que se pode aprender no Youtube. Abri o pacote vindo da China enquanto fazia uma mistura de glicerina, água destilada e Photo-Flo para colocar em todos os tanques e instalei o kit na impressora. Essa mistura é a mesma usada para diluir o carbono e para a limpeza das cabeças, era o líquido mais barato que eu poderia usar sem comprometer a impressora. Finalmente a impressora conseguiu ligar e completar toda a sua inicialização, reconheceu os cartuchos chineses sem problema. A inicialização foi bem longa, presumo que a impressora fez uma limpeza de cabeça em respeito ao tempo que ficou desligada.
Fiz um teste dos nozzles para saber que problemas iria encontrar. Algumas tintas estavam totalmente bloqueadas, mas ainda não sabia qual a extensão dos problemas. Coloquei papel comum na impressora e imprimi algumas fotos coloridas para fazer todas as tintas entrarem em movimento e ver se havia uma melhora nos canais. A caixa de papelão onde a impressora tinha vindo estava ligeiramente úmida e isso me encheu de esperanças.
Um novo teste e alguns canais mostravam uma ligeira melhora. Não gosto de usar a função de limpeza da cabeça, tentar fazer mais tinta fluir pela cabeça pode ser pior em alguns casos. Fora que minha experiência com a Epson 4900 foi terrível, uma limpeza de cabeça de fato queimou uma cabeça inteira, mas isso era um problema comum às cabeças das impressoras X900. Resolvi fazer apenas uma limpeza e comparar testes. Fazer limpezas seguidas é totalmente proibido, pode superaquecer a cabeça de qualquer impressora e isso não é bom. No entanto, saber se há melhora ou piora com a limpeza dá uma boa indicação das condições da tinta que está dentro das mangueiras da impressora. Se a tinta estiver fresca, tudo melhora, se a tinta estiver coagulando, tudo entope mais.
O teste após a limpeza foi promissor, resolvi imprimir mais fotos em papel comum e aos poucos as linhas claras que marcavam as fotos foram sumindo. Com esse movimento de tinta, algum líquido de limpeza foi entrando pelas mangueiras e eu contava com isso para diluir um pouco a tinta velha presente ali. Deixei a impressora descansar uns dias, não queria que tanto líquido de limpeza entrasse pelas mangueiras adentro. Comecei a procurar algum tipo de tinta que eu pudesse usar.
As tintas
A R3000 precisa 9 cartuchos de tinta: cyan, light cyan, magenta, light magenta, yellow, photo back, matte black, light black e light light black. Queria encontrar tintas cyan, magenta, yellow e black que eu pudesse diluir como fiz com o carbono e criar o jogo completo de 9 tintas para a R3000. Diluir tintas para inkjet não é fácil, densidade e peso específico tem uma importância enorme, como eu haveria de descobrir um pouco mais tarde.
Vasculhei eBay e OLX atrás de cartuchos meio cheios, cartuchos antigos, esse tipo de coisa. Acabei encontrando ajuda num estúdio de impressão local, consegui cartuchos parciais de cyan, magenta e photo black vencidos há uns 10/12 anos. Pelo AliExpress fui atrás de tinta pigmentada e achei um frasco de yellow que levou mais uns meses para chegar aqui. Um pouco mais de paciência, mas estava feliz com o fato de que poderia mesmo testar tudo isso com tinta pigmentada ao invés de ter que aceitar a opção de usar corantes.
Então em 31 de dezembro de 2020, dia de folga do trabalho, enchi os tanques do sistema CISS com essas tintas e minhas diluições, não muito cuidadosas, delas.
Parecia um pequeno sucesso, a impressora até teve outra inicialização longa e puxou bastante tinta para suas mangueiras de todos os tanques. Depois de imprimir algumas cópias, percebi que um dos tanques estava quase vazio. Eu tinha perfurado o tanque com a agulha da seringa por um descuido. Algo como uns 60ml de tinta escorreram para dentro da impressora e sumiram, provavelmente aquela área é canalizada para o tanque de manutenção. Foi um susto, mas não foi nada muito grave, o trajeto do papel permanecia limpo. Fiz algumas mudanças de chips entre tanques e devolvi um dos cartuchos originais da impressora, assim pude retirar o tanque perfurado e depois continuar a imprimir.
Um dia depois percebi que a tinta diluída dentro das mangueiras estava se separando, tinta e diluente não estavam mais misturados. Nos tanques havia decantação, agitei os tanques e voltou tudo a ficar misturado, mas durou mais um dia apenas. Resolvi desconectar as mangueiras dos tanques que ficam dentro da impressora e assim trabalhar com menos tinta e tentar mantê-la misturada enquanto eu descobria o que tinha feito de errado.
O problema era maior no light light black e no light magenta. Light cyan estava ok, light black estava decantado, mas não tanto.
Minha primeira idéia era aumentar a quantidade de glicerina na mistura e assim fazer o diluente mais denso, mas resolvi tentar levar adiante como estava e experimentar mais um pouco. Suponho que lembrar de agitar os tanque antes de ligar a impressora ajudaria a tornar a situação não tão grave. Na Epson R3000 os tanques são estacionários e precisariam ser agitados. O resto do sistema (cabeça, dampers, mangueiras) estão sempre em movimento com a impressora ligada e gosto de acreditar que isso ajuda a manter a tinta misturada por mais tempo.
Experimentos iniciais
Durante os primeiros testes, quando vazou a tinta para dentro da impressora, eu estava experimentando com um papel brilhante desses que são vendidos em grandes lojas de eletrônicos, nada muito elaborado, um papel para impressão de fotos com inkjets. Por conta do vazamento e dos problemas da impressora, a tinta preta que estava disponível era a matte (MK). Essa não é a tinta indicada para esse tipo de papel. Se a MK for usada com papel brilhante, o brilho desaparece onde a imagem fica preta. Sem o brilho nas áreas mais escuras, a imagem ganha uma textura diferente que não chega a parecer um papel matte, mas que acompanha a forma das áreas pretas. Observando a imagem por um ângulo inclinado alguém pode até imaginar que é um trabalho obtido com a sobreposição de técnicas diferentes de gravura ou serigrafia. Não é tão incômodo quando um problema de bronzing, até porque parece bem mais intencional.
Imagens
Dentre os trabalhos que eu nunca tinha imprimido, mas que tinha sido finalizado digitalmente, estava um grupo de imagens da festa de aniversário de Brasília, capital brasileira, de quando ela completou 50 anos em 2010. Desde o caos da quantidade de gente que chegou para a festa, das ruas fechadas em antecipação até a sujeira que ficou nas ruas no dia seguinte.
Esse grupo de imagens foi capturado em filme 35mm. Eram diversos tipos de filme vencido, cromo e negativo, revelei tudo no meu C-41 caseiro e depois escaneei os negativos escolhidos usando um Pakon F-135. O resultado foram imagens com saturação desigual entre os tons, um grão exagerado, uma curva íngreme com altas-luzes quase bloqueadas. Imaginei esse trabalho em impressões pequenas, algo como 10cm no lado maior, para devolver um pouco de delicadeza às imagens. Queria um papel com alguma textura para combinar com as questões técnicas que essas imagens traziam desde a escolha do filme.
Suportes alternativos
Em plena época de isolamento, cheguei a procurar um papel adequado nas lojas que ainda estavam abertas aqui na cidade, mas não tive sucesso. Um dia, durante o café da manhã, estava sentado de frente para a caixa de Chocodays, quando percebi a textura da parte interna da caixa. Examinei com mais cuidado, apertei a caixa para sentir a rigidez do cartão, passei o dedo pelo interior de uma das abas para sentir a textura. Parecia interessante.
Se por um instante tive dúvida se esse suporte seria aceitável, imediatamente pensei em alguns trabalhos do Basquiat e com certeza nas caixas de pizza de Aldemir Martins.
O cartão da caixa de cereais era um pouco acinzentado, vasculhei a casa em busca de outra caixa parecida, acabei encontrando uma pastinha que tinha sido usada pela imobiliária para entregar alguns documentos. O material era encorpado como o da caixa de cereais, muito promissor.
Resolvi experimentar ambos. Usei estilete e placa de corte, refilei os materiais para criar folhas retangulares. Da pasta tirei duas folhas padrão A4, da caixa de Chocodays tirei duas folhas 19x27cm.
Estamos numa época do ano muito úmida aqui e nenhum dos dois materiais dava indícios de amolecimento, logo presumi que ambos deveriam ter algum tipo de encolagem no verso para impedir a absorção de umidade. Imaginei que isso poderia me ajudar a obter pretos mais profundos do que aqueles obtidos com papel comum já que a tinta se manteria nas camadas mais superficiais desse suporte.
Tentei de várias maneiras seguir o manual e carregar esses papéis mais grossos pela frente da impressora como recomenda o manual, mas não fui bem sucedido.
Acabei colocando uma folha na bandeja traseira como se faz com papel normal e soltei uma impressão usando o Lightroom para compor 6 imagens dentro da folha A4, cada uma com 8cm no lado maior. A impressora não teve qualquer problema com a espessura e gramatura do suporte vindo da bandeja traseira.
A primeira cópia saiu claramente úmida, mostrando alguns excessos de tinta ainda na superfície e com uma resolução muito baixa, algumas áreas borradas. O contraste estava ótimo, bem melhor do que eu esperava. A encolagem de fato existe e é tão tenaz que retarda a absorção da tinta pela camada mais superficial do cartão. Isso por sua vez faz com que a tinta forme pequenas poças e se misture, isso é péssimo para a resolução dos detalhes da imagem.
Além da cópia estar úmida, ela tinha também muitas marcas transversais deixadas pela passagem da cabeça de impressão. A cabeça estava passando muito próxima ao papel e deixando riscos de tinta.
Já era possível ver a interação da imagem com a leve textura do papel, parecia cada vez mais promissor.
Correções através do software
A depender do driver usado pelo computador para gerir a impressora, existe uma série de controles possíveis que alteram a formação da imagem produzida em inkjet. O controle mais comum é a qualidade da impressão através do número de dpis, ou seja, quantos pontos de tinta a impressora vai criar no papel. Alguns outros controles menos comuns incluem: se a cabeça imprime só na ida (mais preciso) ou na ida e na volta (mais rápido) quando passa de um lado para outro da impressora, a altura da qual a cabeça irá lançar os jatos de tinta, o tempo de espera/secagem antes de cada passagem.
Em geral eu deixo desabilitado o modo de impressão rápida, logo, a impressora só imprime na passagem de ida, retorna a cabeça sem imprimir na volta e se prepara para a próxima passagem. Não saberia fazer uma comparação sobre os dois modos.
O segundo controle que eu menciono, foi o que eu encontrei nesse driver da R3000 para dizer a impressora que estava usando um papel mais espesso. Informei que o papel tinha 0.6mm ao invés de 0.1mm e os risco de contato da cabeça com o papel reduziram sensivelmente.
Por fim, o tempo de espera antes da próxima passagem é um controle que é comum das impressoras mais avançadas. Serve justamente para casos de papéis que não são preparados para a impressão inkjet e que absorvem a tinta de maneira mais lenta. Aumentei o tempo de espera para o máximo: 5 segundos. A impressão da folha A4 levou uns 15 minutos a mais, mas a diferença na cópia foi melhor que a esperada. A impressão ganhou muitos detalhes e não restou nenhuma marca de excesso de tinta. Cada passada teve tempo de secar antes da próxima, assim a sobreposição de diferentes tintas correu bem.
Conclusão
Aos poucos tenho direcionado minhas pesquisas no intuito de obter nas impressões inkjet o mesmo tipo de controle que tinha dentro do laboratório fotográfico químico. Simultaneamente, trabalho para evitar depender de equipamentos e insumos muito caros e manter a permanência das impressões. Espero que as idéias expostas aqui sirvam de inspiração para experiências similares. Vou continuar as experimentações por aqui e assim que tiver mais novidades compartilho com vocês.