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Conversão de Nikon D100 para espectro total

Essa Nikon D100 veio parar aqui já há um tempo. Até que um dia me deparei com um vídeo no Youtube mostrando como é simples remover o filtro IR cut da frente do sensor. É razoávelmente fácil desmontar a câmara. Na foto abaixo, os quatro parafusos que se pode ver na beirada do sensor podem ser removidos para libertar o filtro azulado e pronto, está feito.

Já tinha testado a câmara com uma bateria e sabia que ela ligava. Mas não tinha bateria, nem queria comprar uma para esse projeto. O projeto tinha que ser mais barato que isso, me tornei essa pessoa.

Comecei a pesquisar e descobri que a Nikon fazia um adaptador chamado EH-5 para ligar a D100 direto à tomada 110/220v. Num post do dpreview achei até informação do pinout do adaptador, além da informação principal: 9v e até 4amp.

Na minha sucata tinha um carregador da Sony que veio do lixo também. Tem saída 8.4v e vai até 1.7amp. Me pareceu próximo o suficiente para um teste. Os plugs de ambos eram bem diferentes, no entando era possível encostar um no outro e fazer contato entre os polos corretos. Assim a câmara ligou sem problemas.

Dobrei um pouco os metais do contato da câmara e forcei o plug do adaptador um pouco mais longe, não encaixou mas ficou sob pressão. Envolvi tudo em cola epóxi e com uma fita hellerman prendi o cabo ao ponto de fixação da alça, para evitar que um puxão desfizesse tudo. Deixei a cola secar um dia.

Seguia pensando o que poderia fazer… Sem o filtro IR cut no lugar, era provável que não fosse mais possível focar a câmara no infinito. As primeiras imagens ficaram totalmente rosadas, efeito do IR atingindo todo o sensor.

Separei um canto ao lado da janela e posicionei minha aloe vera iluminada pelo céu azul. Coloquei a câmara no tripé, compus a primeira imagem e então rosqueei o filtro IR 850nm na objetiva. O filtro é opaco para a luz visível, nada se via pelo visor então. A câmara não tem live view. Comecei a fotografar e analisar o resultado, localizar o ponto de foco, ajustar a composição e tentar novamente. Fotografei essa aloe vera em f/8 com velocidades de 1/2s a 1/8s em ISO 200.

Logo percebi que algumas imagens tinham uma pequena barra preta no canto inferior esquerdo da imagem vertical. Parece que o obturador está dando sinal de que vai chegar ao fim. Em alguns outros momentos o obturador simplesmente não abriu completamente, expos só uma faixa. Bom ficar de olho e checar todas as imagens antes de partir para a próxima.

Cheguei a testar um filtro Wratten 87 (segundo a Wikipedia “Blocks wavelengths shorter than 740 nm”), mas gostei mais das imagens com o 850nm, por enquanto.

Virei a câmara para a janela. Fiz uma imagem em f/16 e 1/25s com o mesmo ISO 200, sucesso em obter foco no infinito com a objetiva 50mm, pelo menos.

E depois me diverti com a sinuosidade da rua aqui em frente de casa, com a grama brilhante, enfim, coisas do infravermelho.

Em breve chega do AliExpress um filtro IR Fader que vai de 530nm a 750nm, espero que funcione, queria testar umas imagens em comprimentos menores, entre 600nm e 720nm. Depois conto mais dessa próxima etapa.

Câmara caixote para filme 4×5″

Tudo começou com essa caixa de Ilford FP3 Series 2 que foi fabricado entre 1960 e 1968. Tinha achado ela em Biévres, em 2022, junto com outras tantas tranqueiras. Nem achei que tinha filme dentro, mas passou no raio-x do aeroporto e não fui chamado para inspeção, então, tudo bem. Dai deixei um ano aqui enquanto ganhava coragem para abrir, imaginando tudo que poderia ter ali dentro.

Enfim, vi que tinha filme mesmo. Na melhor das hipóteses esse filme tinha 55 anos de idade. Já meio ondulado e cheirando a vinagre, o acetato se desfazendo com o tempo. Queria usar, mas não tinha mais câmara 4×5″. Só tinha a Technika 13x18cm e não tinha como adaptar.

Minha mãe veio visitar e me trouxe um saco de outras tranqueiras que eu tinha deixado na casa dela. Tinha pedaços de um film holder 4×5″ e uns darkslides de outros, tudo separado para um futuro distante. Com paciência e uma faquinha jeitosa consegui montar um film holder razoavelmente funcional de partes diversas.

Com um caixote de vinho do Porto que peguei no lixo comecei a imaginar uma câmara fotográfica. Do lixo vieram também uns pedaços de madeira compensada, era da embalagem de algum eletrodoméstico grande. Cortei o compensado para fazer uma frente e uma traseira para o caixote, usei cola branca e paciência.

Optei por deixar a câmara com foco fixo, ali pelos 3 metros de distância, para o primeiro teste. Assim podia fazer umas fotos dentro da garagem e se desse certo poderia fazer retratos ou detalhes de ambientes como os que eu tinha feito com a 6×6 uns meses antes.

Fechei as frestas do caixote com massa corrida e pintei o interior de preto. Colei umas tirar de veludo na parte traseira e estava quase pronto.

A Cooke Primoplane de 155mm estava já num board para a Technika, usei cola quente para ameaçar ela ali na frente do caixote. Com um elástico segurei o film holder contra as tiras de veludo. Foi um tanto difícil colocar o filme no holder, a ondulação do filme impede que ele deslize facilmente para dentro.

Também não coloquei uma rosca no inferior da câmara poder usar tripé, nem sabia se o filme estava OK, não quis ter o trabalho à toa. Empilhei umas caixas na entrada da garagem e posicionei a câmara apontada para minha mesa de trabalho. Pela janela entrava uma luz fraca de um dia de inverno, a foto com o telefone dá impressão de muito brilho, mas não era tanto assim. Fechei o diafragma em f/11 e deixei a objetiva aberta por 30 segundos.

30 segundos em f/11

Agora no inverno a temperatura da garagem varia entre os 12C e os 14C, levei água quente da cozinha de casa e fiz um Rodinal 1:50 bem morno. Revelei por 2 minutos com agitação constante. Resultou um negativo pouco denso, mas com muitos detalhes nas sombras (se vê até o timer que está sob a mesa do Durst). Aparecem alguns pequenos pontos de mofo no filme, mínimos. Uma pena, podiam ser maiores.

Acho que agora se faz necessário passar um verniz rápido no caixote e instalar uma rosca na base para poder prender ao tripé. Contar quantas folhas sobraram e usar esse resto da caixa de filme.

Planejando uma câmara para 2023

Esse início de ano eu encontrei uma câmara Super8 no lixo. Estava partida ao meio, mas não parecia ser algo muito grave. Me debrucei sobre ela numa tarde de sábado e consegui consertar o mecanismo. A queda deixou suas marcas, mas tudo voltou para onde deveria, não tenho filme para testar. O episódio me fez abrir minha caixa de ferramentas e serviu de inspiração.

Desde então, três câmaras distintas habitam a minha imaginação: uma câmara 120 para usar o filme infravermelho que vem do Brasil, uma câmara panorâmica baseada nas ideias do Marco Kröger com a Exa, por fim uma câmara-scanner feita para realizar a varredura automaticamente.

A câmara 120 parece uma ideia razoável já que poderei fazer uma boa quantidade de filme 120 infravermelho. Já consegui bobinas e papéis de filme 120 com um laboratório aqui em Portugal e vou fazer os filmes como já mostrei aqui no passado. Ao longos os últimos anos eu vendi tudo que eu tinha que servia para filme 120. Ano passado em Bièvres, eu peguei uma Dacora e uma Coronet Flashmaster, ambas 6×6, além de uma Diana, mas não é exatamente o que eu tinha em mente. Pensei até em instalar a objetiva Mamiya 65mm na Dacora, isso poderia ser interessante.

A câmara mais complicada das três ideias é a Exa Panorâmica. Já falei do passado do porque converter uma (nesse caso duas) Exa. A Exa é muito boa para isso, já que o espelho é o obturador e os controles ficam de um dos lados e nada disso precisa ser estendido, apenas a caixa do espelho, o corpo e o espelho/flap. Revisitei o site do Marco Kröger para olhar sua ExaRama (o link está nesse outro post). Eu até escrevi um email para ele, mais ainda aguardo resposta. Num dos vídeos ele corta as peças com um arco simples, usa uma lima para dar o comprimento correto de cada ponta e depois solda as peças com um ferro de solda simples.

Câmaras panorâmicas em geral são do tipo rangefinder (Hasselblad XPan é o grande exemplo) ou tem uma objetiva que gira (Widelux e Horizon). Um projeto interessante de rangefinder é a FauxPan, relativamente fácil de fazer, mas depende de uns itens mais caros. Não consigo pensar numa panorâmica reflex que tenha sido feita em série. A solução do Marco Kröger é genial nesse sentido e dá uma versatilidade incrível ao resultado. Não me leva a mal, já tive uma Horizon Kompakt e adorava aquilo!

Relendo aquilo que eu tinha escrito aqui, me perguntei se seria possível fazer isso com filme 120, visto que ela já resolvia a questão inicial relativa ao filme infravermelho. Ao invés de construir uma nova câmara de médio-formato e ficar pensando em fazer outra para panorâmicas, aproveitar uma Hasselblad emprestada é muito mais simples. Joguei umas palavras-chave no Google e acabei descobrindo o site de um fotógrafo chamado Lou Zurn. O Lou também percebeu a versatilidade do conceito de uma panorâmica reflex, mas a solução dele foi um tanto mais simples: modificou um back 12 da Hasselblad para 28x56mm, fazendo 24 fotos num rolo de 120. Talvez o resultado final seja maior e mais pesado que a ExaRama do Marco Kröger, mas não envolve habilidades tão complexas na oficina. Talvez a Mamiya 65mm no lugar da objetiva da Dacora e uma máscara 28x56mm resolva essas duas em uma.

A câmara scanner pode ser uma boa ideia se não incluir muitas peças complicadas de fazer ou que necessitem ser impressas, por exemplo. Recentemene o PetaPixel postou mais uma vez sobre uns caras que fizeram câmaras usando scanners da Epson. Se você seguir os links e for fuçando, você acaba chegando ao Flickr do Dario Morelli. Aqui tem bastante informação interessante e algumas idéias geniais!

Minha impressão é que os caras usam scanners Epson provavelmente para tirar proveito dos 16-bits por canal. Mas os Epson atrapalham muito na questão do funcionamento porque fazem calibrações automáticas por si só. Minha primeira reação foi pensar que seria mais fácil com um outro scanner, como os HP que eu uso nas minhas câmaras-scanner. Me arrisco a ter problemas com imagens de 8-bits por canal. Mas será mesmo ruim? Tudo que eu fiz com scanners-cameras até agora foi com 8-bits… o que não quer dizer que seria bom.

Me parece que é essencial manter o CCD paralelo ao plano de foco durante a varredura. Me agrada a ideia de fazer um alvo branco retrátil do lado de fora, para facilitar a calibragem, mesmo que esporádica. Os caram fizeram uma câmara com uma lente de projeção fixa e outra com baioneta Mamiya 6×4,5. Eu talvez precisasse fazer a câmara com um fole para poder usar lentes de ampliação ou de câmara de grande formato: 50mm EL-Nikkor, 60mm Bogen, 75mm EL-Nikkor, 65mm Mamiya-Press, 105mm Topcon, etc.

Por hora, fico aqui, ainda pensando no que farei.

Anotações de um fotógrafo experimental • versão impressa

Sim, agora temos uma versão impressa disponível! É verdade!

Um pouco de história: já falei aqui do livro “Anotações de um fotógrafo experimental”. Esse livro é uma coleção das minhas anotações e reflexões sobre diversos processos fotográficos experimentais. Falo bastante de fotografia analógica, mas também discuto processos experimentais na fotografia digital. Não discuto fórmulas de químicos ou faço tutoriais de processos. Conto desde as histórias de trabalhos mais conhecidos como Travessia ou Pluracidades, e falo também de pequenas reformas que fiz aparelhos diversos. 

Desde a virada de 2021 para 2022 que o livro já estava disponível na plataforma Google Books, mas a intenção era fazer uma versão impressa. Trabalhei no arquivo para isso entre Março e Maio de 2022 e fiz algumas impressões de teste através da Blurb e da 360imprimir.

A Blurb acaba ficando mais cara e não havia nenhum ganho de qualidade que justificasse. Fiquei bem satisfeito com os primeiros testes com a 360imprimir, trabalhei na revisão do volume melhor e inclui uma folha de resto e outros detalhes. Decidi fazer uma tiragem em Setembro de 2022 já para levar ao festival Analógica em Chamusca.

A gráfica falhou em cumprir o prazo que eles mesmo estabeleceram e os exemplares não chegaram à tempo (mero dissabor da vida cotidiana). Além disso, os exemplares tinham sido impressos em outro tipo de papel, com gramatura muito menor. A lombada ficou com quase metade da espessura, muito estranho. O papel era de qualidade inferior, tinha bastante transparência que matava o contraste das imagens. O texto, por sua vez, estava fraco e isso afetava a legibilidade. Pensei em várias piadas sobre as questões de legibilidade dos meus textos, mas não as verbalizei. A impressão era um desserviço para com a minha fotografia.

Então durante 20 dias eu fui muito paciente com o sistema de suporte inexplicavelmente lento da 360imprimir. Não havia mais o papel que escolhi da primeira vez (apesar da opção continuar disponível no site…) mas depois desses 20 dias de emails indo e vindo me foi oferecida uma devolução dos valores pagos.

Perguntei para alguns conhecidos e me foi recomendada a Pixel Art Printing.

Fiz uma encomenda com a Pixel Art Printing no dia 22 de outubro e uns dias mais tarde recebi os exemplares como o descrito no site, mas sem a última página. Mantive a calma, me culpei por não estar a perceber como esses sistemas funcionam, etc. Mas então falei com o suporte dessa gráfica e descobri que o sistema havia detectado uma discrepância no meu arquivo e simplesmente removeu as duas páginas como forma de corrigir o problema. Ninguém percebeu já que ninguém tinha como ver o arquivo original.

Entrei no chat da Pixel Art Printing e um dia depois eles criaram um novo pedido de impressão com o arquivo original. Tudo chegou corretamente dessa vez. Foi o esperado!

Nenhuma das gráficas pediu os exemplares de volta. Refugo. Passei outubro pensando no que fazer com os exemplares esmaecidos, não cheguei a nenhuma conclusão. O Ricardo acha que devo guardar estes até o dia que uma intervenção qualquer ficar clara na minha mente. Pode demorar…

Os exemplares sem uma página tinham um reaproveitamento bem fácil: fiz a página que faltava na inkjet com papel comum. Inclui uma explicação em vermelho a dizer que aquilo era mesmo um remendo. Adicionei também um fragmento de imagem feita com CCD linear impresso com carbono em papel milimetrado no início do livro. Ainda pretendo numerar e assinar esses exemplares para criar uma edição dentro da edição.

O tempo que leva

Comecei a fotografar na minha adolescência. O preço do filme sempre foi um problema. Muitas vezes me peguei escolhendo da bandeja dos filmes vencidos e tendo que lidar com o que quer que esses filmes tivessem de problemas. Minha maior prioridade era criar imagens e imprimi-las; minha experiência inicial me disse que a incerteza dos filmes vencidos não impedia as imagens de nascer. Impunha limitações, chegaremos a elas.

A data de validade no filme fotográfico marca um momento até o qual a resposta do filme à luz e produtos químicos é conhecida e está dentro de certos parâmetros. Com o passar do tempo, o filme perde sua sensibilidade à luz e fica velado com a radiação ambiental. Não é possível saber como cada rolo envelhece, todos o fazem de maneira diferente. Por outro lado, saber como é a resposta do filme ajuda o fotógrafo a imaginar como será a aparência de uma fotografia. Chamamos isso de visualização (graças a Ansel Adams). Algumas pessoas consideram a visualização de imagem final algo essencial. Na adolescência eu acreditei que ela até poderia ser útil, mas eu abria mão da visualização para fotografar o máximo possível e assim encontrei uma maneira racional de aceitar os filmes vencidos.

Então eu lentamente reuni conhecimentos sobre esses filmes vencidos, comparando sua idade e como haviam mudado devido a esse fato, tentando ter algum espécie de guia para antecipar os seus resultados.

Vale lembrar meu episódio com o Fomapan. Após o desastre de Chernobyl em 26 de abril de 1986, o filme em preto e branco produzido na República Tcheca era realmente difícil de vender. Preto em tcheco é “černo” e branco é “bílý”, então “negativní černobílý film” era uma sequência terrível de palavras para ter em qualquer embalagem, assustava os clientes. Em 1993, um importador de equipamentos fotográficos no Brasil conseguiu adquirir um grande lote deste filme, o prazo de validade era 1991. Este lote foi colocado à venda a preços muito baixos. Fomapan foi uma ótima ferramenta de aprendizado. Comprei uma sacola cheia de latas de 30 metros e elas duraram 5 anos enquanto eu explorava maneiras de expor e revelar aquele filme à medida que envelhecia ainda mais. Na maior parte do tempo, acabei usando um revelador que usava mais restringente para evitar o véu de base e álcali mais forte para adicionar contraste à imagem final, algo que aprendi a fazer.

Também tive muitas oportunidades de experimentar com papéis fotográficos. O papel preto e branco vencido dá imagens sem brilho se processado da maneira que o papel novo deveria ser. Normalmente, os brancos se tornam cinza antes que os negros se tornem escuros o suficiente para serem percebidos como negros por nossos olhos. Ao longo dos anos, explorei e aprendi muitas estratégias diferentes para produzir uma gama completa de tons a partir desses papéis antigos. Uma maneira era revelar bem às cópias e quando essas estivessem secas, usar um rebaixador para remover alguma densidade das áreas mais brilhantes até que estivessem de volta ao branco, outra maneira era experimentar com reveladores feitos para artes gráficas e tentar produzir cópias muito contrastadas imediatamente com estes papéis.

No início dos anos 2000, os primeiros itens da nossa vida digital começaram a aparecer no lixo. Eu rapidamente traduzi esse modus operandi do analógico para o digital.

Scanners com interface SCSI vendidos na década de 1990 tornaram-se obsoletos rapidamente sob o crescimento do USB. Para experimentá-los, era necessário encontrar os drivers corretos, a internet foi uma grande ajuda e com um pouco de pesquisa a maioria das coisas poderia ser posta a funcionar. Parte da pesquisa também era para encontrar sistemas operacionais adequados para executar os drivers e também hardware antigo o suficiente para executar esses sistemas operacionais confortavelmente. Descobri muitas coisas que poderia fazer com scanners obsoletos, isso gerou a uma grande coleção de software e hardware de computador obsoleto, um tipo novo de arqueologia.

Durante esses anos de coleta eu gastava menos com materiais. Assim eu fazia experiências com esse fluxo de trabalho híbrido. Fazia as imagens que eu sentia que precisava fazer. Por outro lado, eu estava gastando mais tempo para entender como cada peça desses sistemas funcionava.

Aprender a usar materiais que continham menos informações sempre foi desafiador de um jeito divertido. Comecei a desenvolver um gosto por materiais que tinham um nível de incerteza ainda maior: papel mofado, câmeras quebradas e assim por diante. Usava meu tempo para descobrir como eles ainda poderiam ser parte de um caminho até as impressões fotográficas.

Enquanto pesquisava, escrevia sobre esses caminhos ou processos: uma fotografia de 9 metros que imprimi durante uma noite em minha sala de estar, as imagens da impressora a laser que transferi para outro papel com solvente, um câmera 4×5″ que fiz com os restos de duas outras, imagens em uma câmera improvisada com um scanner de mesa ou de um scanner antigo com uma roda de filtro de cores. Esses pequenos artigos mais tarde se fundiram em um texto maior, enquanto eu procurava entender melhor meus próprios processos e organizar esses conhecimentos adquiridos. Reli diversas vezes e expandi este texto. Quanto mais escrevia sobre esses processos que experimentei, mais me sentia debatendo sobre o tempo que utilizei para realizar cada experimento e se estava satisfeito com as imagens que dele resultaram. Tomei consciência cada vez mais do tempo que leva para resolver essas imagens e de como o tempo era o principal custo associado a essas imagens.

Descobri outras coisas interessantes sobre meu próprio trabalho. Tabulando diversos relatos, percebi que sempre que eu viajava, fosse de férias ou a trabalho, se eu tivesse espaço para levar uma câmera pessoal, levava o que quer que estivesse em pior estado: o filme mais velho ou mais mofado, uma câmera que eu achasse que tinha consertado, mas que na verdade não tinha. Para obter certas imagens é necessário dar a esses materiais e equipamentos uma oportunidade, até mesmo que seja para estragar tudo. Isso se tornou uma regra para mim (que ainda faz sentido), se houver espaço para levar uma câmera pessoal, eu levarei o que estiver em pior estado.

E então fui escrever sobre a câmera de ultra grande formato que construí. Esse projeto começou com uma caixa de filme de artes gráficas de 16×20″ que ganhei em 2001 e alguma madeira que comprei em 2002. Arrastei esses itens comigo, voltando do Canadá para o Brasil em 2003 e os carreguei de um estúdio para outro nos anos seguintes. Eu finalmente comecei a construir a câmera por volta de 2010, mas não foi concluída até 2018. Foi uma grande empreendimento. Fiquei muito satisfeito com a câmera, seus recursos, suas capacidades. Fez tudo o que eu esperava que fizesse. Mas eu senti que não poderia dizer com certeza se valeu a pena. Talvez este projeto tenha alcançado um nível de complexidade que exigiu muito tempo e estudo. Isso me deixou muito ciente da quantidade de tempo e estudo que essas imagens custam para mim.

Percebi também que separo as variáveis ligadas a uma fotografia em dois conjuntos: no primeiro as variáveis ​​de assunto, os elementos incluídos na imagem; no outro as variáveis ​​técnicas, como os elementos são renderizados ou desenhados na imagem final. Exemplos de variáveis ​​de assunto: o assunto pode ser iluminado artificialmente, quem vai ser fotografado, a que horas do dia, a composição, onde você vai e que paisagem você consegue colocar na frente da câmera. As variáveis ​​técnicas acontecem assim que a luz entra na lente (em uma câmera com lente), no pinhole (em uma câmera pinhole) ou mesmo no material fotossensível (em uma fotografia sem câmera). São as escolhas feitas pelo fotógrafo de como a luz é registrada, como essa gravação é processada e como é exibida. Acredito que ambos os conjuntos de variáveis ​​estão presentes em todas as imagens fotográficas e ambos requerem algum tempo e estudo para serem definidos, escolhidos, negligenciados ou dominados.

Sobre a câmera de ultra grande formato cheguei a me perguntar o que seria diferente se eu tivesse feito as mesmas imagens com um equipamento mais portátil e prático (pensando sobre variáveis técnicas). Percebi que o que me incomodou foi demasiada atenção às variáveis técnicas das imagens e muito tempo sendo gasto para resolvê-las. Imaginei como seria deixar tudo igual na frente da câmera (as tais variáveis do assunto) e escolher uma configuração e um processo mais simples. E se eu tivesse descartado o filme e a madeira há muito tempo e investido em uma câmera digital com muitos megapixels? Não poderia fazer imagens semelhantes e me expressar de maneira semelhante? Ainda não encontrei a resposta, ou ainda não a verbalizei. Acho ainda que há uma outra pergunta por trás daquela: os dois conjuntos de variáveis ficam ligados por algo que ainda não percebi?

Não vou parar de procurar coisas interessantes nas lixeiras, pelo menos por enquanto, mas vou tentar me concentrar em coisas menos complexas.

Publicado originalmente em: https://efecetera.com/artigo-de-opiniao/o-tempo-que-leva/

Um novo cantinho para pensar e fazer

Nos idos de Novembro de 2019, tinha ajeitado uma outra garagem para ser meu primeiro ateliê aqui na terrinha, depois passei quase um ano sem garagem para fazer minhas bagunças, até que recentemente me mudei novamente para um local com uma garagem.

Aos poucos nesse meio tempo, fui juntando um monte de tranqueiras para experimentar: scanners, webcams, impressoras, computadores antigos, cabos diversos, algumas ferramentas, parafusos, LEDs, máquina de costura, monitor, cafeteira. Organizei as coisas pequenas com potes de iogurte grego do supermercado Lidl, os parafuso com potes de vidro de geléia, as peças maiores dentro de um armário reaproveitado do banheiro da casa.

Inkset colorido feito em casa na Epson R3000

Essa história começou em Agosto de 2020, chegou aqui uma impressora Epson R3000 que tinha uns entupimentos. Me ocorreu de tentar fazer um inkset colorido improvisado em casa, usando a diluição do Carbono como exemplo e tintas vencidas ou de outros fabricantes como base.

Cheguei a fazer um post em Setembro de 2020 sobre essas idéias. Tinha conseguido umas tintas vencidas. Depois fiquei esperando a tinta amarela chegar da China. Isso só aconteceu entre o Natal e o Ano Novo. Então, no dia 31 de dezembro, aproveitando a tranquilidade que reinava na casa, fiz um primeiro teste.

Misturei a base usada para diluir o carbono e carreguei os tanques tipo CISS que eu instalei na R3000. A base foi usada para fazer o Light Cian, o Light Magenta, o Light Black e o Light Light Black. O Light Cian diluiu e ficou bem depois de 24h. O Light Magenta apresentou alguma separação. O pior foi o LLK, esse não misturou bem mesmo e algumas horas depois já estava separando.

De qualquer maneira, segui em frente. Ao ligar a impressora dessa vez, veja que já tinha usado os cartuchos com líquido de limpeza para um teste curto, a impressora ficou puxando tinta um bom tempo. Imagino que estava cuspindo a tinta parada na cabeça.

Eu tinha providenciado o software de manutenção para fazer um ink charge, mas deixei de lado. Pude ver a quantidade de tinta que foi puxada pela mudança no nível dos tanques.

Ainda tive um pequeno susto, perfurei um dos tanques internos e muita tinta se esvaiu para dentro da impressora. Fiz um reparo temporário e continuei.

Fiz algumas cópias com um papel genérico e brilhante, mas não tenho certeza de que a tinta nova já chegou à cabeça da impressora. Parece que ainda estou usando a tinta que estava parada lá dentro. Em algum momento será possível expelir toda a tinta velha e o líquido de limpeza, e dai sim chegar à tinta nova.

Encomendei novos tanques para poder parar de usar o que foi perfurado. Agora vou atrás de um papel fosco que eu possa usar nesses experimentos.

Achando novos lixos

No quadro de referências do meu TCC eu sempre lembro que incluí um lindo filme que Agnes Varda fez em 2000, entitulado Les Glaneurs et la Glaneuse. O filme é inspirado no quadro Des glaneuses, de Jean-François Millet, de 1857 que retrata um grupo de respigadeiras. Respigadeiras são pessoas que após a colheita adentram propriedades agrícolas e vasculham o chão em busca de alimentos que não foram colhidos e essa atividade é protegida por lei em boa parte do território francês. Nesse filme Agnes entrevista diversos tipos de pessoas sobre atitudes similares às das respigadeiras.

Uma das entrevistas é com um morador de Lyon que explica como a prefeitura o ajuda fazendo folhetos que informam dia, hora e local onde ele pode ir recolher coisas do lixo. Agnes questiona se o folheto na realidade não foi feito para quem quer se desfazer do lixo e informa onde a prefeitura vai recolher, eles riem e ele concorda.

Segui essa lógica reversa para começar a descobrir para onde vão os eletrônicos obsoletos nesse novo lugar onde estou. Aos poucos fui fazendo um rota que passa por esse locais no meu dia-a-dia e encontrando coisas que podem ser usadas para gerar imagens rudimentares ou para processar imagens também. Scanners mesmo, é difícil, hoje até vi um, mas era porta serial ainda, anterior ao USB, dai fica fora da minha alçada.

Enquanto isso a tinta que falta para a conversão da Epson R3000 está passeando pela Ásia e pelo Leste Europeu, mas um dia ela chega.

A história desse blog

Esse blog nasceu em Junho de 2005 quando eu começava a pensar no TCC do curso de bacharelado em Fotografia. Comecei pela plataforma Blogspot e mantive o endereço apenas para mim, eram notas para o texto.

O texto do nasceu da idéia de consolidar os relatos de processo que eu tinha escrito até então. Esses relatos eram desde colunas que escrevi para o Fotosite até artigos para o portal Fotopro. O assunto de cada um era sempre alguma quebrada ou estragada que eu tinha dado um jeito de usar para criar imagens. Juntei todos, expandi. Depois comecei a escrever sobre o ato de reaproveitar essas coisas fotográficas e procurar referências para ajudar num diálogo.

O texto ficou pronto, o orientador não me colocou nenhum empecilho muito grave, fui para a banca e me tornei bacharel no fim daquele ano.

Um tempo mais tarde, exportei e migrei para WordPress e dai comecei a incluir o endereço do blog em outros lugares. Comecei a publicar notas e fotos dos processos com os quais estava envolvido. Nunca tive compromisso com o blog, nunca tive muito público também. De certa forma o blog continuava sendo um exercício interno de anotar etapas, descobertas e frustrações do caminho.

Em diversos momentos pensei em mudar do português para o inglês. Mas me perguntava o que de bom os page views poderiam trazer também. Dai continuava em português.

Reler o texto do TCC foi se tornando cada vez mais incômodo. Os anos passam e a gente vai entendendo algumas coisas. Cada vez que reli, pensei que seria legal retomar o texto, rescrever diversas passagens, expandir outras, adicionar os artigos que vieram depois. Contas mais histórias.

Em 2019 finalmente me vi numa situação em que a insônia foi de encontro a esse antigo desejo. Comecei juntando tudo que eu já tinha escrito depois que se assemelhava em gênero e depois fui reordenando. Fiz diversas pausas, retomei mais tarde depois que já estava em Portugal. Com as restrições impostas pela pandemia, recentemente cheguei num momento em que posso dizer que reli e revi todo o texto.

Não está nada pronto, mas não me incomoda o texto tão ferozmente quando antes, só um pouco. Ainda existem histórias que estão faltando, mas já consigo imaginar uma nova etapa para tudo isso que contei aqui no blog e nos artigos por ai. Vou começar a desenhar um livro digital que possa ser baixado através das plataformas mais comuns. E torcer para o texto fazer mais e mais sentido.

Da câmara artesanal ao scanner-camera • FBAUP

Só um alerta para esse talk no mês que vem, e aqui já tem o link no site da Fbaup: https://www.fba.up.pt/2020/02/19/da-camara-artesanal-ao-scanner-camara-guilherme-maranhao/

-update- o evento foi cancelado dentro da quarentena do covid-19